25 de fevereiro de 2010

Pobreza deixa marcas biológicas nas crianças



Primeiros cinco anos de vida são decisivos para o desenvolvimento cerebral e a carência extrema produz sequelas irreversíveis.

A teoria política já o disse e a psicologia mostrou-o: a pobreza que afecta as crianças tem efeitos negativos e duradouros no seu desenvolvimento. Mas agora um ambicioso estudo de cientistas norte-americanos conseguiu ir mais além, ao demonstrar que essa condição se repercute a nível neuro-biológico e na saúde para o resto da vida.
Os resultados foram apresentados na conferência da American Association for the Advacement of Science, na Califórnia, e os autores apontam a necessidade de novas estratégias sociais para prevenir o problema.
"A pobreza pode modificar profundamente a neuro-biologia da criança muito pequena, porque ela está em desenvolvimento", afectando todo o percurso da sua vida, afirmou o sociólogo Greg Duncan, da Universidade da Califórnia, um dos autores do estudo.
O pediatra e investigador Thomas Boyce, da Universidade de British Columbia, no Canadá, e co-autor, explicita: "Descobrimos que as crianças que crescem em ambientes desfavorecidos reagem ao stress de forma desproporcionada, e conseguimos medir isso através de avaliações hormonais e neurológicas, utilizando scaners cerebrais, e mais recentemente com análises genéticas."
São múltiplos os níveis de complexidade e a dimensão que estes efeitos da pobreza podem atingir, segundo os autores. Eles podem repercutir-se nas principais funções biológicas, ou em circuitos específicos do cérebro e até no mecanismo molecular que activa e desactiva as funções dos genes, adiantam.
Para medir o impacto sócio-económico daquelas sequelas biológicas - a "biologia da miséria", como lhe chamou Jack Shonkoff, especialista em desenvolvimento infantil da Universidade de Harvard - Greg Duncan analisou os rendimentos médios e a duração do emprego de 1589 adultos nascidos entre 1968 e 1975, nos EUA. E avaliou também os rendimentos das famílias de cada um deles durante os cinco primeiros da sua vida, um período decisivo para o desenvolvimento cerebral. Isso envolveu a observação de vários parâmetros, desde a educação escolar ao número de horas de trabalho, tipo de alimentação, apoios sociais, estado de saúde e história judicial.
Segundo os autores, este foi o primeiro estudo com medições sistemáticas deste tipo nos EUA, o que permitiu quantificar conclusões. Exemplo: um aumento de três mil dólares anuais nos rendimentos de uma família pobre, através de um apoio social, quando há filhos com menos de cinco anos, traduz-se mais tarde num aumento de 17 por cento nos rendimentos destes filhos quando já são adultos trabalhadores. Estes tendem a uma maior estabilidade laboral também.
Referindo-se à realidade dos EUA, os autores sublinham que as suas conclusões "mostram que as políticas de apoio social a famílias desfavorecidas com crianças pequenas produzem resultados tangíveis". Esta conclusão não será difícil de generalizar.
Diário de Noticias

24 de fevereiro de 2010

Os casais e a união perfeita. Casamento? Sim, enquanto durar.



Antigamente toda a gente se casava; o matrimónio era a base estável da casa, da família, e assegurava respeitabilidade, ajuda em caso de necessidade, descendência e uma velhice serena. As solteironas eram dignas de compaixão, a mulher que tivesse filhos sem ter marido era marginalizada. Não eram admitidas outras formas de convivência erótica. Por essa razão, o matrimónio era indissolúvel e durava até à morte. Hoje tudo mudou. A sociedade ocupa-se da educação, do trabalho, da segurança, da saúde. Os jovens têm relações amorosas e eróticas na adolescência e nos anos seguintes mudam de parceiros com frequência.Costumam casar-se quando querem ter filhos, mas os nascimentos não os impedem de se divorciar ou separar ou de ter um novo relacionamento. O matrimónio está a tornar-se sequencial: um cônjuge de cada vez. Nos intervalos, experiências de solteiro ou convivências. De facto, os sociólogos verificam que o casamento e a convivência só duram enquanto os dois parceiros estão bem juntos. Alguns enquanto existe paixão, na maioria dos casos enquanto se amam, se compreendem, enquanto a relação erótica é fonte de prazer mútuo, enquanto são sinceros e fiéis e a relação é serena. Contudo, quando o entendimento amoroso acaba, a relação deteriora-se e, mais cedo ou mais tarde, o casal rompe-a, por vezes de maneira maldosa e venenosa.

Foi por isso que dediquei toda a minha vida a estudar o amor do casal, por ter permanecido a única coisa que une o casal e a família. Tenho noção dos erros grosseiros que cometemos por superficialidade, por ignorância. O amor é muito frágil; basta uma diferença no modo de pensar ou uma sensibilidade erótica diferente; basta querer impor uma preferência que o outro aceita para não nos desagradar; basta que entre os dois se insinue a competição. Porém, também conheço amores ardentes e apaixonados que duram décadas. Qual é o segredo? Talvez tenham por base uma afinidade misteriosa de corpo e alma, mas também tolerância, capacidade de falar um com o outro, de se compreender, de confessar o que lhes agrada ou desagrada com sinceridade, com candura.

Mas nem todos conseguem ter este amor total, que também pode acabar de um momento para o outro. Então, se a estabilidade do matrimónio depende assim tanto do amor, pergunto--me se, sem tocar no casamento tradicional, não seria melhor estudarmos também outras fórmulas legais ou contratos matrimoniais que permitam soluções mais articuladas, adequadas às várias circunstâncias do nosso tempo.
Francesco Alberoni in Jornal  i

16 de fevereiro de 2010

As relações constroem-se como peças de um puzzle


Vivemos na época do descartável. E do imediato. E colamos de tal modo estes conceitos ao nosso dia-a-dia que deixámos de dar valor ao que temos. Não funciona, substitui-se por outro. E de preferência já. O pior é que damos o mesmo tratamento aos sentimentos, às emoções, ao amor. Temos tudo tão facilitado, é tão simples conseguirmos as coisas, que estamos a esquecer-nos do que é desejar, «perder tempo» a conseguir, sentir que se está quase lá...e por fim a satisfação de termos vencido uma batalha que nos consumiu esforço e energia, que nos exigiu investimento. É também assim naquilo a que chamamos as relações amorosas. Olhamos, queremos e temos. às vezes no espaço de poucas horas. Ao entusiasmo inicial segue-se muitas vezes um imenso vazio. Porque as relações constroem-se como peças de um puzzle. Ou de um lego. É preciso ver o que encaixa melhor, onde se deve por a peça seguinte para que a construção não desmorone e no final tudo faça sentido. Temos de investir tempo, esforço, energia e amor nas nossas relações. O que é muito difícil nos dias de hoje. Porque andamos a correr, porque as oportunidades podem desaparecer tão rapidamente como surgiram, porque é fácil «substituir», porque não vemos razão para ter trabalho a manter alguma coisa que não nos custou a conseguir. Se calhar, os grandes amores, aqueles que nos fazem suspirar, que deram origem a grandes romances, só são possíveis porque...são impossíveis. Só quando não podemos ter é que percebemos que esse desejo de «ter» nos vai acompanhar toda a vida. A menos que lutemos pelo que queremos. Há amores contrariados, censurados, proibidos. Que perduram, talvez porque foram cimentados pela luta contra obstáculos quase intransponíveis.

Fonte: Noticias Magazine, por Sofia Barrocas.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...