20 de março de 2010

Que Putas...


Ezra Pound chamou-lhe «pecado contra a natureza» e o papa Cisto V «pecado contra Deus e contra os homens». O empréstimo de di­nheiro a juros, o «lucro sem labor», é considera­do imoral pela Bíblia (no êxodo, no Levítico, no Deuteronómio, nos evangelhos de Lucas e Ma­teus), proibido pelo Corão, condenado por filó­sofos (Platão, Aristóteles, Séneca, Plutarco, São Tomás de Aquino...), por Maomé, por Moisés, pelo Buda; foi banido em concílios como o de Niceia e o de Latrão, declarado heresia e blasfé­mia por Clemente V; e Dante colocou os usurá­rios - a quem a Igreja chegou a recusar os sacra­mentos e o funeral cristão - no interior do séti­mo círculo do Inferno.
Os usurários tornaram-se entretanto gente respeitável, capaz de temer a Deus e pre­gar valores morais e, simultaneamente, ler pe­la cartilha de Bentham que, em 1787, na sua De­fesa da Usura, defendeu que cada homem deve ser único juiz do modo como obtém lucros, não tendo de se atar a empecilhos morais.
É assim que, sem aparente escândalo, os quatro maiores bancos privados a actuar em Portugal fecharam 2009 - ano de miséria e de­semprego para grande parte da população por­tuguesa e de falências e encerramentos de em­presas por todo o país - com lucros totais de 1445,6 milhões de euros, mais 14 por cento do que em 2008. O que, em números redondos, re­presenta qualquer coisa como quatro milhões por dia, ou 170 mil euros por hora. É algo ele­mentar que a economia ensina: o dinheiro não se evapora. Quando desaparece do bolso de uns, os mesmos de sempre, está a entrar no de outros, os de sempre também.
Seria de supor que, tendo tido tantos lu­cros, a banca tivesse, em contrapartida, pago mais impostos. Não, pagou ainda menos do que em 2008. Em 2008, as quatro instituições (e a ta­xa efectiva de IRC da banca é de apenas 15,6 por cento, contra os 25 por cento de IRC mais 1,5 por cento de derrama das restantes empresas) ti­nham pago 391,9 milhões de euros em impos­tos. No ano passado, à custa de inumeráveis «be­nefícios fiscais», pagaram 330,8 milhões,16 por cento menos.
Boa parte dos  lucros da banca em 2009 foi, e continuará a sê-lo nos próximos anos, pa­ga pelos contribuintes, através de todos os «apoios», «avales» e «benefícios» que o gover­no generosamente concedeu ao sector e o Orçamento de Estado deste ano começará já a cobrar aos salá­rios e pensões. E não é que a banca, segundo notícias re­centes, esgotou já o montante desses avales do Estado e quer mais? E não é que o governo, que no ano passado aumentara o capital da CGD em mil milhões de euros (para ela os injectar no BPN), vai agora aumentar de novo, e com o mesmo objecti­vo, esse capital até ao valor de 1585 milhões de euros? Não será decerto difícil imagi­nar a quem o OE e o PEC apresentarão a factura...

O problema é que é cada vez mais difícil discernir quem, à mesa do banquete orçamen­tal, se senta ao colo de quem, o poder político ou o poder financeiro. Voltando ao Canto XLV de Pound, «trouxeram putas para Elêusis / ca­dáveres dispostos no banquete / às ordens da usura».

Publicada na Noticias Magazine em 21 de Fevereiro de 2010 por Manuel António Pina

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...