10 de abril de 2010

Os Kidadults




Este ano faço 40 anos. Para mim a palavra obrar significa fazer cocó, mais nada. Não tenho um único amigo que considere um obreiro, um esforçado, um empreendedor, acho a minha geração uma caca de geração sem força. Um achismo como qualquer outro, sujeito ao vosso juízo, mas esta gaja hoje está parva? Estou. Devo estar. E também estou a passar por uma segunda adolescência brava e só vejo malucos e maluquice à minha volta, vamos lá a acordar ou andamos todos aqui aparvalhados da fluoxetina?
Indo um bocado mais longe, acho que somos toda uma cambada de fodidinhos da cabeça. Eu sei que isto não é bonito de se dizer, mas deixem lá a cerimónia e o respeito um bocadinho e oiçam. A nós venderam-nos gato por lebre, umas ideias malucas, malucas, malucas.
Em 1982 isto ia ser tudo paletes de felicidade e esperança e guito, guito, muito guito a entrar pelas fronteiras e pelas estradas, guito que hoje não há a recompensar trabalho que também não há. O meu pai até comprou um Citroen GSA PalIas que subia a carroçaria quando se ligava. Um luxo, acreditei que quando chegasse a minha altura o meu carro ia voar. O meu carro hoje não voa, mas também não fui eu que o comprei. Herdei-o. A minha tia, da geração anterior à minha e que se fartou de bulir, morreu, em seis meses, com um cancro.
Hoje um engenheiro recém - formado no Rio ganha três vezes mais que o parvo do tuga explorado. Isto é uma desgraça um paizinho de merda. Como é uma desgraça vivermos quase todos com mil euros por mês, depois de nos terem enchido os ouvidos com inanidades deste calibre, Mónica Maria, homens e mulheres são iguais, aprende e vive com isto. Onde é que já se viu tamanha palermice? Só na cabeça dos nossos pais. Perguntem a um norueguês, hoje com 40 anos, o tipo de mulher que esta brincadeira produziu. E ele mostrar­-lhes uma mulher - homem que não sabe ser mulher - mulher, toda tonta e com carta de pesados.
Foi - nos vendido um sonho de consumo totalmente irreal, criaram em nós expectativas, que agora, chegados aos 40, estamos fartos de saber que não podem ser realizadas, esta merda não está a bater certo para quem cresceu a ver os desenhos animados búlgaros, do Vasco Granja, nem para quem aprendeu a votar, de braço no ar, as tropelias dos amigos, no Externato Fernão Mendes Pinto. Somos uns meninos mimados, os filhos do centrão e dos centros comerciais maiores da Europa, das viagens a Espanha no Verão, sem ter de passar pelas apalpadeiras na fronteira do Caia, os meninos que viram aparecer as primeiras televisões a cores, os primeiros vídeos e aquelas iogurteiras que ao fim de um mês perdiam o uso porque faziam os piores iogurtes do mundo. Não, talvez o pior fosse aquele que crescia de uma nhanha de uma planta romena, tipo fungo. Também comi. E agora gosto de homens com barba de três dias e só me sinto bem quando faço bigodinhos de Hitler, na depilação. Tive sempre bolachas em casa, queijo flamengo, Nesquik, papa Cerelac, Pensal de Chocolate e Nestum Figos e Mel. Tomei óleo de fígado de bacalhau, tinha discos do Sérgio Godinho, do Chico Buarque, dos Bee Gees e do Fernão Capelo Gaivota. Bebia Coca-Cola, jogava ténis no CIF e tinha semanada. Os meus pais foram disfuncionais q. b., mas ainda falo com eles e gosto dos dois, usei farda no colégio, meias azul-escuras até ao joelho Lolita sexy, andei muito com saias kilt que picavam e de gola alta, igualzinha ao meu irmão. Aprendi a viver no meio, na zona cinzenta, à espera que tudo viesse ter comigo. E vem.
A gente esforça-se mas esforça-se pouco. A gente luta, mas luta pouco, a gente quer tudo, porque sempre teve tudo, mas não tem os guts. Estamos cansados do sonho da treta europeia, queremos ser fazendeiros no Facebook usar cuecas boxer do Scooby-Doo, comprar uns Ali Star amarelos aos 39 anos e que nos deixem em paz, adulthood has lost its appeal. Antigamente as pessoas queriam crescer e sair de casa e casavam com energúmenos e energúmenas só por causa disso.
Hoje já ninguém quer ser polícia ou bombeiro. Muito menos tem vontade de casar ou sequer acreditar que o amor pode vir com o tempo e em formas desconhecidas e nem sempre imediatamente compensadoras. Quando tinha 15 anos li, em casa da minha melhor amiga, na revista Sputnik que uma camponesa da parvónia russa se estudasse poderia transformar-se numa grande astronauta. Faço tudo para voltar a acreditar numa merda destas. Por falar nisso, Teresa, eu perdia à canasta e ao king só para tu não amuares. 
Mónica Marques é escritora. Autor do blogue Sushi Leblon, publicou o livro Transa Atlântica
e publicou esta crónica no suplemento do i “nós 49”

7 de abril de 2010

Bons professores e regras morais contra a sociedade liquefeita

Disseram que as normas impostas traumatizavam os meninos. Criaram-se pequenos monstros.
Getty Image







Há 50 anos nasceu a pedagogia segundo a qual não se deviam impor regras às crianças, apenas dar-lhes indicações. Foi um descalabro, a sociedade liquefez-se. É preciso reconstruí-la.
 Os sociólogos estão sempre a repetir-nos que o nosso sistema social está cada vez mais desestruturado. Passámos da sociedade industrial para a pós-industrial, depois para a pós-moderna e por fim para a sociedade que Bauman designa por líquida, por não ter regras nem laços fortes. Contudo, para mim, as fases de desestruturação são seguidas de fases de reconstrução, e essa nova fase reconstrutiva já começou. Vejamos o campo do ensino. Há 50 anos, do encontro entre Dewey, a psicanálise e o vulgar marxismo, nasceu uma pedagogia segundo a qual não devem impor-se regras, mas apenas dar indicações. As crianças não devem decorar a tabuada, poemas, nomes das terras, datas da história, não devem estudar gramática nem análise lógica. Também não devem aceitar a autoridade dos pais e dos professores. Esses pedagogos achavam que, se o indivíduo fosse mais livre para criar, o florescimento cultural seria assombroso. Pelo contrário, gerou-se um vazio que foi preenchido pela cultura mediática.

As crianças não sabem poemas mas conhecem canções, não seguem os mandamentos morais, mas sim "o que dizem os colegas", não conhecem os clássicos, mas sabe o que dizem as personagens televisivas. Na verdade, a pedagogia que nivela tudo por baixo no intuito de esbater as diferenças teve como consequência tornar ignorantes milhões de pessoas e privilegiar aqueles que podiam ir para a universidade e para escolas de excelência com professores respeitados e programas rigorosos. É por essa razão que há cada vez mais pessoas a quererem uma escola mais séria, mais rigorosa, com professores preparados e mais respeitados. Mas também começam a perceber que é essencial que existam normas morais básicas interiorizadas, aprendidas até ao fim da infância.

Não se deve esperar que as crianças aprendam sozinhas que não devem roubar ou atormentar os colegas. Temos de as ensinar e fazer com que isso lhes fique gravado na mente, se torne um hábito. Por fim, também estamos a perceber que a nossa ordem social se baseia num mandamento fundamental: "Faz ao outro o que gostarias que ele te fizesse a ti." É um mandamento que não pode ser demonstrado com um cálculo custo-benefício. Ou se aceita ou não. Em 50 anos, passámos do autoritarismo mais cego à anarquia mais completa, da sociedade mais rígida à sociedade mais fragmentada, liquefeita. Mas ignorar ou contornar a liquefacção não basta; é preciso iniciar a reconstrução.
por Francesco Alberoni, Publicado em 06 de Abril de 2010 no jornal i

O estudo do comportamento humano interessa à ciência desde há muitos séculos. Mas nunca como agora houve tanto especialista a investigar as razões que levam uns a desenvolver uma perspectiva optimista da vida e outros a olhá-la sempre de modo negativo.

Está na moda. o optimismo.
Provavelmente, como reac­ção a uma espécie de perturba­ção afectiva generalizada que parece fazer balançar muita gente entre quase surtos de­pressivos e períodos de euforia, o interesse científico na área do comportamento humano vi­rou-se nos últimos anos para a compreensão das razões por que uns fazem uma festa com coisa nenhuma e outros se en­tretêm a antecipar desgraças.
Embora o tema do opti­mismo e do pessimismo sir­va, entre nós, sobretudo pa­ra produção de anedotas, até essas anedotas contêm um ensinamento sempre repeti­do: que mais importante do que as circunstâncias e os acontecimentos é o olhar de quem vê, a perspectiva que se consegue ter, o sentimen­to íntimo que acompanha a interpretação que se faz do que vai passando por nós.
2. Se fosse uma questão de opção, se se pudesse escolher um modo de ser e de sentir, seríamos todos infatigáveis optimistas plenos de visões retocadas dos outros e do mundo. Todos preferiríamos a jovialidade, a facilidade e a leveza que parecem existir naqueles que levam a vida com uma perna às costas, que têm sempre soluções e formas de ultrapassar qualquer situação, que acreditam, pa­ra lá de todos os argumentos, que vão mesmo transformar sonhos em realidade, acertar na lotaria ou encontrar o príncipe perfeito montado num cavalo branco.
Ninguém no seu perfeito juízo escolheria, se pudesse, estar imbuído de visões trági­cas, de medos a escorrer à so­capa de todos os gestos, de pressentimentos de desgra­ças e de cataclismos. Nin­guém, se fosse possível esco­lher, quereria ter o condão de ver primeiro as partes más, de cheirar com antecedência o que vai correr mal, de des­tacar para primeiro plano o sórdido, de adivinhar o nega­tivo, de fazer das leis de Murphy uma indec1inável predestinação.
3. Mesmo percebendo que optimismo a mais é defeito, que idealismo infinito e perspectivas cor-de-rosa do cinzento alimentam trajec­tórias de vida de insucessos consecutivos, mesmo assim, todos gostariam de ter essa possibilidade.
Daí que se compreenda que até a ciência embarque na investigação sistemática dos «comos» e «porquês».
Em si mesmo, e à sua ma­neira. também é uma manifestação de optimismo.

Isabel Leal
PSICÓLOGA
in Noticias Magazine 21Fev2010
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