27 de junho de 2010

Um Anjo de Bicicleta


"Andar de bicicleta, numa ciclovia que leva a lugar nenhum, somente pelo prazer de desfrutar, pode ser um hábito saudável e uma forma de desligar do dia-a-dia e do corre-corre.
Mas a bicicleta possui um poder e um simbolismo maior para muitos. Usá-la tem sido, para muitos, uma forma central de resistência, de crítica e de anúncio. Com ela se resiste a sucumbir à cultura auto-destrutiva do automóvel, com ela se estabelecem críticas à sociedade da aparência e da sensação de poder que se tem em montar um carro e sair por ai com a atitude de dono do mundo, isolado do resto da criação. E com ela se anuncia um outro mundo possível, à mão e disponível para começar a ser vivido já. Ela traduz um jeito de ser e viver, um determinado reencontro com a humanidade e traz a possibilidade de voltar a enxergar os que estão ao lado. Ela é, como dizia Ivan Illich, o veículo da revolução, que se faz nem tão rápida como a pretensão do automóvel, nem tão lenta como a marcha a pé, mas “preferencialmente sobre duas rodas”.


Uma das pessoas que recentemente mostrou esse poder da fraqueza tendo como símbolo a querida 'magrela' foi Claudio Hugo “Pocho” Lepratti (27/02/1966 – 19 de Dezembro de 2001).

Conhecido como o “anjo da bicicleta”, este activista foi morto em Rosário, Argentina no meio dos protestos que marcaram a grave crise que aquele país passou e que teve seu cume com a renúncia do presidente La Rua, naquela mesma semana de 2001.
Há somente 9 anos atrás a população argentina enfrentava desemprego de mais de 50% de sua população. Fome e miséria faziam parte da realidade de muitos, e como sempre nesses casos, quem mais sofre são as crianças, que têm seu presente oprimido e seu futuro roubado, e os velhos, que têm seu passado desrespeitado.


No meio deste quadro, um jovem professor de filosofia, um assumido teólogo de rua, um cristão comprometido com a causa do pobre, subia na sua bicicleta e dava de comer, para a alma e para o corpo, a meninos e meninas do bairro pobre, da “Villa Miseria” onde decidiu viver para servir. Eis aqui sua história breve.


Lepratti nasceu em Concepción del Uruguay, Entre Ríos, e estudou direito entre 1983 e 1985, enquanto ao mesmo tempo era um colaborador dos Salesianos de Dom Bosco. Depois disso ele entrou no seminário salesiano Ceferino Namuncurá em Funes, Santa Fe, como irmão cooperador. Ele estudou filosofia e se tornou professor.


Os estudantes do seminário eram levados a visitar lugares próximos com a finalidade de entrar em contacto com a realidade do dia-a-dia dos pobre e com eles trabalhar. Lepratti acabou pedindo para estender esta prática para um constante trabalho entre os pobres, mas seus superiores disseram que ele precisava manter seus votos de obediência e se manter estudando. Devido a isso, após 5 anos ali estudando ele decidiu deixar o seminário e foi viver  numa favela, ou “Villa Miseria”, no Barrio Ludueña, Rosário.


Na paróquia liderada pelo padre Edgardo Montaldo, ele criou e coordenou um número grande de grupos de crianças e jovens, organizou excursões, ateliers, etc. Além disso, ele trabalhou como auxiliar de cozinha nas instalações que proviam comida para as crianças pobres da favela, e ensinava filosofia e teologia na escola paroquial.


O ASSASSINATO


No fim de 2001, a Argentina estava chegando ao máximo de sua crise económica, marcada por recessão e desemprego extremo. Em 18 de Dezembro, distúrbios, saques e protestos tomaram o país, chegando até à grande Buenos Aires. O Presidente Fernando de la Rua ditou um estado de emergência, suspendendo as garantias constitucionais, e começou uma forte repressão.

Lepratti vivia na 'villa miseria' em Ludueña mas fazia trabalho voluntário diário em uma escola no 'Barrio Las Flores', no sul de Rosário.




Em 19 de Dezembro, a polícia de Santa Fé cercou a área da escola para sufocar um protesto que estava crescendo, com piquetes e bloqueios em avenidas próximas. Lepratti e dois outros membros da equipe subiram ao telhado da escola para avaliar a situação, no meio do tiroteio, eles começaram a gritar para a polícia pedindo o cessar-fogo, dizendo: “Não atirem, aqui só tem garotos comendo”. Naquele momento, um projéctil de chumbo de uma calibre 12 partiu da arma do policia Ernesto Esteban Velázquez e atingiu Pocho na traqueia, tendo falecido antes de chegar ao hospital.

Pocho fazia tudo isso montado em sua bicicleta. O meio de ir e vir que permite olhar no olho, ver a face, cumprimentar e ser humano. E que ele usava para ir longe e se manter próximo.
Sua morte foi um marco para três movimentos: o de mobilidade urbana, o de compromisso com os pobres e o de comunidades cristãs de base. O símbolo de uma bicicleta alada se espalhou, um anjo subiu numa bicicleta e passou a inspirar os outros.

Leon Gieco gravou um clipe com a música “angel de la bicicleta”: 




E era isso, ele fazia um trabalho de formiguinha, parecia nada, mas aqui estamos nós, discutindo sua vida, exemplo e morte. Mais um santo do dia, mais um anjo, fazendo a revolução, em cima de duas rodas.
Assim, como uma formiga, cada um de nós pode fazer mais com nossa vida e com nossa energia do que entrar no carro e crer que o maior problema de nossa vida é o engarrafamento."

Carta aberta à familia Espírito Santo


Cresci a ouvir falar da vossa família com uma reverência quase tão mística co­mo a matriz bíblica do nome que vos designa.
Em 1931, o vosso avô Ricardo foi me­cenas de uma obra social fundada por minha avó, e é em nome dessa memória afectiva que venho hoje gal­vanizar-vos.

Sabem? Herdeira genética do Salazarismo, mas peni­tente pelos efeitos do seu regime, sinto-me hoje ludi­briada por ter dado o benefício da dúvida a quem se perfilou na defesa das suas vítimas para agora as de­fraudar, apropriando-se de todos os tiques, luxos e vas­salagem que, rusticamente, se associam à direita, e de que toda a Esquerda persistente deveria, ao menos, recatar-se.
Na verdade, devo a meu pai tudo o que sei de políti­ca: "Nenhum sistema ou nenhuma ideologia pode hoje considerar-se a salvo de suspeita".
Lição breve, mas que sobra para enxergar quando me enganam: o nosso primei­ro-ministro está mais preocupado em encobrir o lóbi argentário que o asse­dia do que em escorar Portugal con­tra a calamidade mundial que afun­dará, em primeiro lugar, econo­mias frágeis como a nossa.
Todavia, presenciar os ultrajes a , que se presta - sem saber ou poder defender-se - não é um espectáculo me­nos triste do que assistir à demissão dos portugueses que, lesados, falidos e ultrapas­sados por jogadas de bastidores, contam anedo­tas para expurgar a impotência.
Sei que sabem: as 'classes' acabaram finalmente, não por promessas de Abril - ingénuas nesta ma­téria - mas porque tanto operários como inte­lectuais se irmanam hoje no garrote da penúria para que meia dúzia de plutocratas possam beneficiar-se com o que, em justiça, caberia a todos, segundo os chavões humanistas de que sempre se socorrem para burlar os eleitores.
Diverso, o vosso caso: o que se ouve neste momento, nas vossas costas, tanto nas salas co­mo na rua, 'é que a força deste Governo não lhe advém dos cabelos, como em Sansão, mas da retaguarda que o vosso Grupo' lhe assegura para acautelar negócios que, com o álibi das metas europeias e a promessa de retornos delirantes, vão cavando a nossa sepultura.     
'Refiro-me, claro, a todos estes investimentos - ino­portunos nos prazos - em que Sócrates vem embar­cando, com a chancela de consórcios financeiros on­de, surpreendentemente, consta sempre o vosso Gru­po: novas redes de auto-estradas, pornográficas para quem não tem que comer; o TGV para Madrid e a extravagância de uma terceira travessia sobre o Tejo; um aeroporto importante do ponto de vista logístico e estratégico, mas sem tráfego que justifique um projecto faraónico.   
É, pois, na qualidade de patriota angustiada, que vos rogo que recordem o seguinte a quem, de entre os vos­sos - tão endividado como nós; e a outra escala - possa ­também ressentir-se.
Ao contrário do vosso Grupo - e doutros, claro, mas com menos pergaminhos - não teremos a Suíça como abrigo quando a lâmina da bancarrota nos cortar a ju­gular, pelo que será aqui mesmo, em solo lusita­no, desonrados e pe­recendo entre es­combros,que exa­laremos o último suspiro.
Se nem isto os demover, pois en­tão que se perfile, coerente, a fé cris­tã da família: estão em causa montan­tes capazes de sal­var, literalmente, mi­lhares de irmãos da de­sonra, da doença, da mor­te nos hospitais, sem cama
nem assistência, e do recurso ao suicí­dio para o qual a Estatística nos tem vindo a alertar e que disparou, em flecha, desde o princípio da crise.
Confiem: lembrar-lhes isto seria o acto mais nobre de lealdade a Portu­gal, tratando-se de um Grupo que, desde o Estado Novo até hoje, tem podido prosperar graças à indul­gência de todos os governos e à vis­ta grossa de um povo já exangue.
Dirão que o GES está no seu pa­pel e que cabe a Sócrates preve­nir-se; direi eu, que estou no meu, que me cabe defender a minha pátria de quem quer que a ameace.
Rita Ferro, in Expresso de 12 de Junho de 2010

17 de junho de 2010

Hormona do amor favorece coesão de grupo e atitude defensiva face a estranhos


                             A oxitocina tem fama de ser a molécula do amor,    que se liberta durante as relações sexuais, mas os efeitos desta hormona vão muito mais além. É a responsável pela relação mãe e filhos, da confiança e, segundo um novo estudo publicado na Science, o que provoca a coesão de grupos, protegendo-os contra ameaças externas.



 Imagem mostra a complexidade da oxitocina
 
 No entanto, uma equipa do departamento de Psicologia da Universidade de Amesterdão, na Holanda, já constatou que a oxitocina está por detrás deste altruísmo paroquial.  
Esta hormona é produzida na presença de estímulos agradáveis como comer ou ter relações sexuais. Além da sua função no parto e pós-parto, a oxitocina está associada a uma maior capacidade empática e generosa. Quanto administrada de forma exógena, “promove a confiança, a cooperação e reduz a hipótese de beneficiar do outro”, explicam os autores no artigo.
Dentro de uma colectividade, a oxitocina funciona para preservar, defender e fortalecer laços, indirectamente enfraquecendo os adversários.


Para testar a descoberta, dezenas de jovens foram chamados para resolver versões do dilema do prisioneiro. Meia hora antes da prova, metade dos participantes cheiraram uma quantidade de oxitocina e os restantes uma substância inócua.                                                  

Dividiram os jovens em três grupos e cada indivíduo tinha de escolher o melhor modo de mover dinheiro. Os mais altruístas foram os que cheiraram o neuro-modulador, que distribuíram o dinheiro na procura do benefício dos companheiros de grupo e não de si próprios.

Alguns investigadores relacionaram este altruísmo paroquial com o terrorismo e a guerra, já que, como sugerem os resultados, “poderia existir uma base biológica para pensar que o altruísmo e a agressão estão mais próximos do que se tinha pensado”, indica ainda um artigo que acompanha a investigação.

“A mensagem importante é que a oxitocina não só promove a generosidade, a benevolência e a confiança”, explica Carsten De Dreu, especialista em Psicologia. “É ainda determinante para tornar os grupos coesos e a chave de defesa dos mesmos”, acrescenta do autor do estudo.


Saiba mais sobre a origem do teste executado pelos voluntários do estudo:

Dilema do prisioneiro (versão clássica)

Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o colega, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que a decisão que o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro.

in, Ciência Hoje

16 de junho de 2010

Investigadores relacionam consumo de arroz branco com diabetes tipo 2


  Consumir arroz branco frequentemente favorece o aparecimento de diabetes tipo 2, enquanto o risco de adquirir esta  doença é reduzido com o consumo de arroz integral, indica um estudo americano publicado ontem no Archives of Internal Medicine.  Investigadores da Harvard School of Public Health acompanharam o consumo de arroz branco e integral de 157463 mulheres e 39765 homens, que foram seguidos em três estudos diferentes durante mais de 14 anos.

Verificaram então que as pessoas que consumiam arroz branco cinco vezes por semana tinham 17 por cento de hipóteses acrescidas de desenvolver diabetes tipo 2 relativamente àquelas que o comiam uma vez por semana apenas.

"Nós acreditamos que substituir o arroz branco e outros grãos refinados por grãos integrais, como o arroz integral, ajuda a reduzir o risco de diabetes tipo 2", disse o autor do estudo, Qi Sun, tendo em conta que mais de 70 por cento do arroz consumido nos Estados Unidos é branco.

"Há séculos que o arroz é um alimento de base nos países asiáticos", referem, acrescentando que “desde o século XX, os progressos feitos nas tecnologias do tratamento do cereal possibilitaram uma produção em massa de cereais refinados. Durante este processo, a casca do grão, assim como as partes intactas do gérmen, são retiradas para produzir arroz branco que, de facto, consiste num endospermo cheio de amido".

in  Ciência Hoje

5 de junho de 2010

Ao contrário de Nurse Jackie

   

   A infidelidade feminina é mais grave e definitiva, não porque seja moralmente mais condenável, mas porque é mais sintomática.
   Um homem pode ser infiel à sua mulher e, porém, amá-la incondicionalmente.
   Uma mulher infiel já não ama o seu marido.


As vezes digo, entre amigos: "A infidelidade feminina é mui­to mais grave e definitiva do que a masculina» - e de ime­diato me caem em cima o Carmo, a Trindade e o obelisco do Cutileiro, objecto ainda por cima assaz percutante. As primeiras a protestar são as senhoras: que diabo é isso, no século XXI, és um quadrado, vai dar banho ao cão. Os segundos são os homens sedutores, de repente urgentes de capitalizar a minha falta: era o que faltava, nem pensar, os direitos são iguais e os deveres tam­bém, eu ao sábado aspiro a casa e tudo. E os terceiros, com excepção de um ou outro abençoado que faz um esforço por divisar o que estou a tentar estabelecer, são todos ao mesmo tempo: mas porque é que uma infidelidade é pior do que a outra, se em qualquer dos casos consiste numa traição, ao outro e a nós próprios, se não mesmo a todo o género humano?
Acho curioso que tantos concebam que um dilema de tal forma fundador para a espécie possa ser desvendado com base apenas nos preceitos da Constituição da República. E acho mais curioso ainda que muitos daqueles que conseguem, enfim, abstrair-se da esfera banal dos direitos e dos deveres não cheguem nunca a transcender o âmbito da moral. Porque aquilo de que estou a falar não é um problema político, nem sequer social: é emo­cional mesmo. A infidelidade feminina é mais grave e definitiva, não porque seja moralmente mais condenável do que a masculina (são ambas moralmente muito condenáveis, tanto quanto me parece), mas porque é mais sintomática. Diz uma velha frase de t-shirt que, para cometer uma infidelidade, a mulher precisa de um motivo, enquanto o homem só precisa de uma mulher. E eu próprio lhe chamaria "um tre­mendíssimo cliché», se não se desse a circunstância de, regra geral (que é o que interessa para este tipo de generalização exaltada), ser absolu­tamente verdade.
Eu podia dar o exemplo da biologia (e não há nada mais poderoso do que a biologia): ao contrário do homem, uma mulher pode engra­vidar de outro e dar ao esposo, sem que ele sequer chegue a sabê-lo, um filho que não é dele. Só isso já desequilibra os pratos da balança. Mas nem sequer é preciso irmos tão longe. Um casamento pode sobreviver a um homem infiel e pode sobreviver a uma mulher infiel também. Um casamento são duas pessoas que estão juntas e, felizmente, as razões por que as pessoas estão juntas não se reduzem ao sentimento. Coisa diferente, porém, é o amor propriamente dito. Um homem pode ser infiel à sua mulher e, no entanto, amá-la eterna e incondicionalmente. Uma mulher infiel simplesmente já não ama o seu marido. Pode gostar dele. Pode ter pena dele. Pode estimar a vida que os dois têm juntos: as rotinas, os objectos, os lugares, os cheiros, as pessoas. Mas pode vi­ver sem eles também  e sabe-o. Porque, sendo tão capaz como o homem de ausentar-se do seu corpo, não será capaz nunca de ausentar-se das suas emoções. E porque, se o fizer, já não encon­trará o caminho de regresso.
A infidelidade feminina é mais grave e sinto­mática porque (e perdoem-me o recurso new age, juro que não se repete) a mulher tem mais inteligência emocional do que o homem. Porque tem mais auto-domínio, talvez, mas sobre­tudo porque tem outra capacidade de ver o big picture e de agir em prol da sua preservação. As mulheres são mais calculistas. Os homens mais românticos. De resto, e que todos somos dotados da mesma natureza poligâmica, nem sequer discuto. Que infidelidade e traição nem sempre são uma e a mesma coisa, menos ainda. O que sei é: se os homens lidam muito pior com a traição, há uma razão muito clara para isso. Os homens são inseguros. Mas são-no precisamente porque sabem que, no dia em que foram traídos, todo o seu mundo ruiu. O melhor mesmo é não desco­brir nunca. Assim como assim, nós nunca tivemos a presunção de saber tudo  e, desde que também não desconfiemos, felizes viveremos com a nossa ignorância.

In 'Noticias Sábado' 230 por Joel Neto
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...