7 de janeiro de 2011

Os tristes dias do nosso infortúnio



Na terça-feira, 26 de Outubro (2010), assistimos, estupefactos, a um espectáculo deprimente.

O dr. Cavaco consumiu vinte minutos, no Centro Cultural de Belém, a esclarecer os portugueses que não havia português como ele. Os portugueses, diminuídos com a presunção e esmagados pela soberba, escutaram a criatura de olhos arregalados. Elogio em boca própria é vitupério, mas o dr. Cavaco ignora essa verdade axiomática, como, aliás, ignora um número quase infindável de coisas.

O discurso, além de tolo, era um arrazoado de banalidades, redigido num idioma de eguariço. São conhecidas as amargas dificuldades que aquele senhor demonstra em expressar-se com exactidão. Mas, desta vez, o assunto atingiu as raias da nossa indignação. Segundo ele de si próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto de êxitos políticos e de realizações ímpares. E acrescentou que, moralmente, é inatacável.

O passado dele não o recomenda. Infelizmente. Foi um dos piores primeiros-ministros, depois do 25 de Abril. Recebeu, de Bruxelas, oceanos de dinheiro e esbanjou-os nas futilidades de regime que, habitualmente, são para "encher o olho" e cuja utilidade é duvidosa. Preferiu o betão ao desenvolvimento harmonioso do nosso estrato educacional; desprezou a memória colectiva como projecto ideológico, nisso associando-se ao ideário da senhora Tatcher e do senhor Regan; incentivou, desbragadamente, o culto da juventude pela juventude, característica das doutrinas fascistas; crispou a sociedade portuguesa com uma cultura de espeque e atrabiliária e, não o esqueçamos nunca, recusou a pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos mais abnegados heróis de Abril, atribuindo outras a agentes da PIDE, "por serviços relevantes à pátria." A lista de anomalias é medonha.



Como Presidente é um homem indeciso, cheio de fragilidades e de ressentimentos, com a ausência de grandeza exigida pela função. O caso, sinistro, das "escutas a Belém" é um dos episódios mais vis da história da II República. Sobre o caso escrevi, no Negócios, o que tinha de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha, minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos e por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente democrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.

O lastro de opróbrio, de fiasco e de humilhação que tem deixado atrás de si, chega para acreditar que as forças que o sustentam, a manipulação a que os cidadãos têm sido sujeitos, é da ordem da mancha histórica. E os panegíricos que lhe tecem são ultrajantes para aqueles que o antecederam em Belém e ferem a nossa elementar decência.

É este homem de poucas qualidades que, no Centro Cultural de Belém, teve o descoco de se apresentar como símbolo de virtudes e sinónimo de impolutabilidade. É este homem, que as circunstâncias determinadas pelas torções da História alisaram um caminho sem pedras e empurraram para um destino que não merece - é este homem sem jeito de estar com as mãos, de sorriso hediondo e de embaraços múltiplos, que quer, pela segunda vez, ser Presidente da nossa República. Triste República, nas mãos de gente que a não ama, que a não desenvolve, que a não resguarda e a não protege!

Estamos a assistir ao fim de muitas esperanças, de muitos sonhos acalentados, e à traição imposta a gerações de homens e de mulheres. É gente deste jaez e estilo que corrói os alicerces intelectuais, políticos e morais de uma democracia que, cada vez mais, existe, apenas, na superfície. O estado a que chegámos é, substancialmente, da responsabilidade deste cavalheiro e de outros como ele.

Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se apresenta como candidato ao mais alto emprego do Estado, não tenha, nem agora nem antes, actuado com o poder de que dispõe? Como é possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que escreveu o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser atenuante. Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.

Um amigo meu, fundador de PSD, antigo companheiro de Sá Carneiro e leitor omnívoro de literatura de todos os géneros e projecções, que me dizia: "Como é que você quer que isto se endireite se o dr. Cavaco e a maioria dos políticos no activo diz 'competividade' em vez de 'competitividade' e julga que o Padre António Vieira é um pároco de qualquer igreja?"

Pessoalmente, não quero nada. Mas desejava, ardentemente desejava, ter um Presidente da República que, pelo menos, soubesse quantos cantos tem "Os Lusíadas."

Baptista Bastos in  ESTROLABIO


Outras Fontes: Spectrun e Tabus de Cavaco

5 de janeiro de 2011

Onde Circula Dinheiro, Há Sempre Uma Agência Financeira, Um Banco Ou Um Banqueiro, Disponível Para O ASSALTO!





Neste período de festas, Josh, um estudante do Quénia na Holanda, juntou todas as economias de um ano de trabalho e as enviou para casa, para ajudar a sua família de 10 parentes que passam necessidade. É chocante, mas uma das empresas que monopoliza o envio de remessas internacionais – a Western Union – arrancou 20% do dinheiro destinado à família do Josh cobrando taxas abusivas.

A história de Josh se repete dolorosamente todos os dias ao redor do mundo, numa escala assombrosa –  44,3 bilhões de dólares foram cobrados em taxas no ano passado! O próprio Banco Mundial recomenda que as taxas de envio não ultrapassem 5% do total, mas o Western Union nunca foi desafiado publicamente a baixar suas taxas abusivas.

Se nós gerarmos um protesto global agora, poderemos expor as práticas predatórias e forçar-los a diminuí-las.

Contribuições de trabalhadores imigrantes para famílias carentes ao redor do mundo contribuem muito mais que a assistência contra a pobreza de governos ricos, providenciando recursos fundamentais para as economias mais pobres do mundo. O corte nos lucros obscenos de empresas como a Western Union iria aumentar substancialmente a assistência direccionada aos países pobres. Enquanto as famílias necessitadas ao redor do mundo recebem muito menos do que merecem, os executivos da Western Union levaram para casa  8,1 milhões de dólares só em 2009.

O próprio Banco Mundial recomenda que as empresas de envio de remessas limitem suas taxas em 5% sobre o valor enviado, mas alguns bancos em empresas têm taxas astronómicas escondidas. Os países que mais precisam, aqueles saindo de uma guerra ou desastre, sofrem as piores perdas porque as empresas de transferências têm o monopólio e acordos exclusivos com bancos locais.

Ao invés de ajudar suas famílias, as economias suadas de homens e mulheres que trabalham em hospitais, construção civil e restaurantes, são desviadas para os lucros da Western Union. A empresa financia projectos sociais para melhorar a sua imagem corporativa, mas isto não esconde a desigualdade imensa que o seu modelo corporativo perpetua. Vamos erguer nossas vozes contra as  taxas de envio de remessas justas para ajudar a trazer um benefício imediato para as famílias ao redor do mundo. Juntos nós podemos garantir que famílias necessitadas – e não executivos – recebam os benefícios do árduo trabalho dos imigrantes:

Quando cidadãos ao redor do mundo se unem para protestar contra injustiças, nós podemos vencer a ganância e desigualdade que passa despercebida, como nós fizemos muitas outras vezes. Inspirados pelo calor e solidariedade do período das festas, vamos garantir que os presentes generosos cheguem onde eles mais precisam.

3 de janeiro de 2011

A esperança desesperada

Poucos serão indiferentes à situação em que o País se encontra. Mas que os há, há. 


São aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para esta tragédia. Não é preciso nomeá-los: todos nós sabemos quem são. E o que me parece mais desprezível é a firmeza com que ainda haja pessoas a defender um sistema não só doente económica e financeiramente mas, sobretudo, com graves enfermidades morais.

Chegamos ao fim de mais um ano e a esperança surge como desesperada. Já ninguém duvida das convulsões sociais que se adivinham, e só mesmo o primeiro-ministro é capaz de proferir afirmações tão absurdas como aquelas que faz. Ele o diz que é difícil decapitá-lo politicamente. É verdade. O homem possui uma tenacidade e uma obstinação invulgares. Não quer dizer nada. Apenas que está ali de pedra e cal. Até ver.

As sondagens dão-no como morto-vivo. E as coisas vão de mal a pior. Cavaco, que tem a simpatia dissimulada de quase toda Imprensa, o que se tornou na vergonha do pensamento crítico, tem demonstrado, nos debates televisivos, que não está à altura de coisa alguma. É um medíocre enfatuado, que mal oculta a raiva que o assola quando contrariado. E nada sabe de coisa alguma. Passos Coelho, inicialmente um falador sem continência, parece mais prudente e equilibrado. Aguarda, como um predador de tocaia, que a sua presa mais se estenda ao comprido. Depois, fará o que muito bem entender.

Vem aí o novo ano e todas as indicações são de molde a deixar-nos prostrados. O desejo improvável de Sá Carneiro - um Presidente, um Governo, uma Maioria - está quase a tornar-se realidade. A ausência de ideologia, a capitulação do PS de Sócrates, a desistência ética dos "intelectuais" portugueses permitiu esta anomalia histórica. Todos aqueles que, durante estes anos "socialistas" vão ser substituídos por uma trupe arfante de ganância e poder, já têm empregos garantidos em administrações de grandes empresas. Estou para ver para onde vai Sócrates. O despudor da "alternância" sem "alternativa" transformou a política portuguesa num modo de vida de um grupo que se protege e se resguarda. Não me canso de o dizer.

Estamos a perder a configuração moral de nação. Os que vêm nada trazem. Os que vão embora organizaram as suas vidinhas. Seria curial que o "jornalismo de investigação" procurasse indagar sobre o paradeiro profissional daqueles, do PS, do PSD e do CDS, que nos últimos trinta e quatro anos têm sido governantes. Mas o "jornalismo de investigação", que dá a ideia de possuir apenas um sentido e uma direcção, não está interessado em desvendar essas minudências.

Sócrates preparou o caminho, por inércia e atroz incompetência, para a Direita actuar de mãos livres. E o que a Direita tem dito, das suas opções, desígnios e objectivos só pode turvar as mentes de beócios. Mais: a Direita prepara-se para se instalar, durante muitos anos, na cadeira do poder. As consequências sociais e políticas do que se avizinha são imprevisíveis. O que não é imprevisível é a movimentação que já se nota, os conluios que estão a estabelecer-se, as intrigas que se urdem. O tal "jornalismo de investigação" talvez devesse noticiar os almoços, os jantares, os encontros, que tornam supérfluos, ou quase, os protestos de indignação dos que ainda se não dobraram. Ainda os há. Mas perdem, lentamente, essa capacidade.

Dilecto: como sou de têmpera rija e optimista, aceite um abraço forte e, apesar de tudo, de força e de resistência.

Baptista Bastos, in Jornal de Negócios
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