11 de dezembro de 2012

A PAZ, A GUERRA, A MENTIRA E O NOBEL


     
 

A pompa, a circunstância, o ambiente apalaçado onde se congregaram os risos de plástico em máscaras de hipocrisia aprimoraram a transformação em farsa de uma cerimónia onde deveria imperar a dignidade, uma vez que se pretendia evocar o valor mais importante para a Humanidade – a Paz.



É gente como aquela, presente no episódio de Oslo no qual se consumou a trágica entrega do Prémio Nobel da Paz à União Europeia, que governa o mundo, que decide como deve ser a vida de cada um de nós, como devemos pensar, quem temos de apoiar ou odiar, quem é terrorista e combatente pela liberdade e que, de degrau em degrau na escada do despudor, deita directamente para o lixo cada voto a que se resume a nossa participação oficial na trapaça da democracia por eles instituída.
Lá estavam eles, a trempe, o triunvirato, a troika. Barroso ao meio, Van Rompuy à direita, Schulz à esquerda, não liguem às suas posições relativas porque eles são vértices à escala europeia do partido único governante e que chamou a si próprio o poder de decidir sobre 27 países, e muito mais.
A Paz está em boas mãos, disse o Comité Nobel ao mundo através do gesto de entregar àqueles altos representantes da União Europeia, e também agentes do governo mundial dos mercados, as insígnias que deveriam antes agraciar os inimigos da guerra, os isentos de qualquer contaminação com os fabricantes e fazedores de conflitos armados.
Sabemos todos que isso não é assim. E por muito que queiramos não confundir as pessoas com as instituições belicistas que representaram na cerimónia, sabemos que nem isso podemos fazer, e com toda a segurança, pelo menos num dos casos.
O caso do dr. Barroso, o exemplo perfeito. Diz ele que a União Europeia merece o prémio porque garante a paz na Europa. Como se na Europa a paz se resumisse a não haver guerra entre a França e a Alemanha, a não haver confronto directo entre a Rússia e a Nato. Há na Europa uma guerra social contra os cidadãos, a violência através da expansão vertiginosa da pobreza, um ataque flagrante à condição humana através da sonegação do emprego, do roubo dos direitos adquiridos e inerentes, da perversão das leis, da falsificação da democracia.

                                                                                 
                                                                                   
A falácia é irmã da mentira e de mentiras percebe o dr. Barroso porque participou naquele conclave das Lajes em que foi decidido mandar matar centenas de milhar de pessoas com base na monumental peta das armas químicas em poder do ex-amigo Saddam Hussein.
Essas armas químicas não apareceram. Mas se lerem e escutarem as notícias mais actuais  ainda que pela rama, parece agora haver outras que provavelmente jamais aparecerão. São as armas químicas do regime de Assad na Síria,o argumento que já serviu à Nato para armar a Turquia ainda com mais mísseis e que parece sustentar os preparativos de uma eventual invasão directa no caso de os combatentes da liberdade para lá exportados pelos países civilizados e outros que também o são, como o Qatar e a Arábia Saudita, não darem conta do recado de instaurar “a democracia”. E falo de libertadores que também já foram “terroristas”, por exemplo no Iraque e Afeganistão, dir-se-á que não sabem muito bem o que são, mas não é verdade: sabem que são mercenários e “soldados de Deus”, seja lá o que isso for para nós.
É da guerra da Síria e contra o povo da Síria que falo. A propósito da qual o insuspeito Le Figaro – insuspeito neste caso porque sendo porta voz das direitas escreve às vezes o que as direitas não querem ler – revela que militares franceses estiveram nas “zonas libertadas sírias” para tratarem da cooperação com os “rebeldes”. Com o conhecimento, é claro, do presidente Hollande, que terá recomendado aos emissários o apuramento da “cor política” de cada grupo, não vá o Diabo tecê-las, se bem que já as tenha tecido.
Ora se nós o sabemos não me digam que o senhor Barroso, ou os senhores Van Rompuy e Schulz, à frente do Conselho e Parlamento Europeus, não o sabem…
A União Europeia apoia guerras, participa em guerras, ajuda a fabricar guerras. Aquilo que se passou em Oslo foi em boa verdade um ato de guerra, em nome da paz. A partir daqui já não há mais nada para falsificar.
JOSÉ GOULÃO



9 de dezembro de 2012

OS FANTASMAS



 


        Esta coisa de escrever crónicas “é um jogo permanente entre o estilo e a substância”. Uma luta entre “o deboche estilístico” do gozo da escrita e“a frieza analítica” do pensamento do cronista. Por isso, enquanto cidadão, só posso ver este governo como uma verdadeira praga bíblica que caiu sobre um povo que o não merecia. Mas, enquanto cronista,encaro-o como uma dádiva dos céus, um maná dos deuses, “um harém de metáforas”, uma verdadeira girândola de piruetas estilísticas.


      Tomemos como exemplo o ministro Gaspar. Licenciado e doutorado em Economia, fez parte da carreira em Bruxelas onde foi director do Departamento de Estudos do BCE. Por cá, passou pelo Banco de Portugal, foi chefe de gabinete de Miguel Beleza e colaborador de Braga de Macedo. É o actual ministro das Finanças. Pois bem. O cronista olha para este “talento” e que vê nele? Um retardado mental? Uma rábula com olheiras? Um pantomineiro idiota? Não me compete, enquanto cidadão, dar a resposta. Mas não posso deixar de referir a reacção ministerial à manifestação de 15 de Setembro que, repito, adjectivava os governantes onde se inclui o soporífero Gaspar, como “gatunos, mafiosos, carteiristas, chulos, chupistas, vigaristas, filhos da puta”. Pois bem. Gaspar afirmou na Assembleia da República que o povo português, este mesmo povo português que assim se referia ao seu governo, “revelou-se o melhor povo do mundo e o melhor activo de Portugal”! Assumpção autocrítica de alguém que também é capaz de, lucidamente, se entender, por exemplo, como um “chulo” do país? Incapacidade congénita de interpretar o designativo metafórico de “filhos da puta”? Não me parece. Parece-me sim um exercício de cinismo, sarcástico e obsceno, de quem se está simplesmente“a cagar” para o povo que protesta. A ser assim, julgo como perfeitamente adequado repetir aqui uma passagem de um texto em forma de requerimento “poético” de 1934. Assim: “A Nação confiou-lhe os seus destinos?.../Então, comprima, aperte os intestinos./Se lhe escapar um traque, não se importe…/Quem sabe se o cheira-lo nos dá sorte?/Quantos porão as suas esperanças/Num traque do ministro das Finanças?.../E quem viver aflito, sem recursos/Já não distingue os traques dos discursos.”
Provavelmente o sr. Ministro desconhecerá a história daquele gajo que era tão feio, tão feio, que os gases andavam sempre num vaivém constante para cima e para baixo, sem saber se sair pela boca se pelo ânus, dado que os dois orifícios esteticamente se confundiam. Pois bem. O sr. Ministro é o primeiro, honra lhe seja concedida, que já confunde os traques com os discursos. Os seus. Desta vez, o traque saiu-lhe pelo local de onde deveria ter saído o discurso! Ou seja e desculpar-me-ão a grosseria linguística, em vez de falar, “cagou-se”. Para o povo português.
Lamentavelmente.



        Outro exemplar destes políticos que fazem as delícias de um cronista é Cavaco Silva. Cavaco está politicamente senil. Soletra umas solenidades de circunstância, meia-dúzia de banalidades e, limitado intelectualmente como é, permanece “amarrado à âncora da sua ignorância”. Só neste contexto se compreende o espanto expresso publicamente com “o sorriso das vacas”, as lamurias por uma reforma insuficiente de 10 mil euros mensais, a constante repetição do “estou muito preocupado” e outros lugares-comuns que fazem deste parolo de Boliqueime uma fotocópia histórica de Américo Tomás, o almirante de Salazar. Já o escrevi aqui várias vezes. Na cabeça de Cavaco reina um vácuo absoluto. Pelo que, quando fala, balbucia algumas baboseiras lapalicianas reveladoras de quem não pode falar do mundo complexo em que vivemos com a inteligência de um homem de Estado. Simplesmente porque não a tem. Cavaco é uma irrelevância de quem nada há a esperar, a não ser afirmações como a recentemente proferida aquando das comemorações do 5 de Outubro de que “o futuro são os jovens deste país”! Pudera! Cavaco não surpreenderia ninguém se subscrevesse por exemplo a afirmação do Tomás ao referir-se à promulgação de um qualquer despacho número cem dizendo que lhe fora dado esse número “não por acaso mas porque ele vem não sequência de outros noventa e nove anteriores…” Tal e qual.

Termino esta crónica socorrendo-me da adaptação feliz de um aforismo do comendador Marques de Correia e que diz assim: “Faz de Gaspar um novo Salazar, faz de Cavaco um novo Tomás e canta ó tempo volta para trás”. É que só falta mesmo isso. Que o tempo volte para trás. Porque Salazar e Tomás já os temos por cá.

P.S.: Permitam-me a assumpção da mea culpa. Critiquei aqui violentamente José Sócrates. Mantenho o que disse. Mas hoje, comparando-o com esse garotelho sem qualquer arcaboiço para governar chamado Passos Coelho, reconheço que é como comparar merda com pudim. Para Sócrates, obviamente, a metáfora do pudim.
Sinceramente, nunca pensei ter de escrever isto.

Luís Manuel Cunha
Professor
In “Jornal de Barcelos”
De 10.10.2012
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