7 de março de 2011

Num país de invejosos, é natural que poucos tenham vaidade num homem como Mourinho

Como sabeis, a última palavra que Luís de Camões escreveu em "Os Lusíadas" foi 'vaidade'. Como também sabeis, e está escrito no livro dos livros, os últimos são os primeiros. Com efeito, está dito que "muitos primeiros serão os derradeiros, e muitos derradeiros serão os primeiros" (Mateus 19.30). Ora esta citação, além de revelar a minha enorme erudição bíblica, significa que Camões, quando escreveu a palavra inveja em último lugar, queria dizer que ela era para nós - 'os lusíadas', os habitantes deste rectângulo - a primeira.
Qual é, pois, a nossa primeira qualidade e o nosso primeiro defeito? A inveja!
Assim sendo, o nosso primeiro sentimento com aqueles que triunfam na vida é, desde logo, uma profunda desconfiança, um sólido mal-estar e, por último, uma enorme raiva.


Também é conhecido o provérbio, muito português, segundo o qual "Santos de casa não fazem milagres". E isto, além de revelar a minha profunda sabedoria sobre provérbios, faz com que os benfiquistas, no geral, não gostem daquele que, tendo sido seu treinador, foi ganhar Campeonatos Nacionais e Taças UEFA para o FC Porto, e ainda as Premier League para o Chelsea e a Serie A para o Inter, além de Ligas dos Campeões Europeus para o Porto e para o Inter. Não falta aqui nada? Não! O Benfas despediu Mourinho ao fim de uns meses, muito antes que Mourinho tivesse tempo para despedir o pessoal todo do Benfica, pusesse a casa em ordem e lhe ganhasse um campeonato ou dois e uma prova europeia.
Logo isso faz com que cerca de seis milhões de portugueses achem que ele deve perder os jogos em que participa para que, na disputa Mourinho/Benfica, fosse o Benfica a ter razão, ao contrário do que entra pelos olhos dentro - que foi Mourinho.
A estes seis milhões, há que juntar mais dois ou três milhões de invejosos puros. Daqueles que desconfiam de tanto sucesso e acham que o Mourinho só vai para equipas que já são ganhadoras. Fica por explicar o interesse das equipas ganhadoras em Mourinho, mas isso não lhes interessa. São aqueles que, acaso descobrissem que o curso de Mourinho tinha sido tirado a um domingo e que quatro cadeiras haviam sido dadas pelo mesmo professor, diriam logo que ele afinal não prestava como treinador, independentemente dos resultados. Seriam os que, acaso soubessem que José Mourinho tinha dito uns palavrões ao telefone, e que esses palavrões estavam transcritos numa escuta, entenderiam que todo o trabalho táctico e todas as vitórias de Mourinho seriam desprezíveis.




Vejo agora muitos sinais de assentimento; alguns, até, de arrependimento por não terem estado ao lado de Mourinho nos seus jogos. Já vejo, inclusive, o senhor primeiro-ministro a concordar com as minhas palavras, pelo que aproveito a altura para lhe recordar que ele não ganhou nenhuma European Champions, nem mesmo a Liga Europa, pelo que escusa de se pôr a jeito. O meu ponto é, neste caso, a inveja e a falta de vaidade em relação àqueles que triunfam! Não a falta de consideração por aqueles que nos têm governado. São duas coisas muito diferentes. Nós devemos ser vaidosos daquilo que conquistamos, numa linha que vai de Vasco da Gama a Mourinho. Já em relação aos que nos governam, deveremos cristãmente ter outro sentimento: a piedade.
Orgulhem-se, pois, de Mourinho, que é"vaidade de vaidades" (Eclesiastes 12.8), mas apiedem-se de Sócrates. Sobre o Governo, e como está escrito, "à fé ajuntem a caridade" (2 Pedro 1.7).
Comendador Marques de Correia
Texto publicado na edição da Única de 29 de Maio de 2010


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