13 de junho de 2013

SINTOMAS DA PÁSCOA

"É incerta a data em que os primeiros humanos puseram os pés na Ilha da Páscoa. Foi certamente antes do ano 1.000. Por volta de 1.600 a pequena ilha tinha mais de 15.000 habitantes mas, um século depois, quando os navegadores europeus lá chegaram só subsistiam 2 a 3.000 mil. Famintos, desorganizados, embrutecidos.

A história da Ilha da Páscoa é exemplar. Demonstra as consequências nefastas de uma exploração excessiva do meio ambiente. Mas revela mais do que isso. Alerta para os malefícios da vertigem religiosa, ou ideológica pois é similar. A decadência, a um ponto de não retorno, é a consequência inevitável do irracionalismo.

Com base numa crença semelhante a tantas outras, com os deuses lá no alto a exigirem coisas absurdas, os indígenas dedicaram-se à construção de enormes estátuas de pedra. Para o fazer necessitavam de madeira, a qual foi sendo recolhida por toda a ilha até se chegar a uma total desflorestação. Na voragem insana foram extintas 20 espécies de grandes árvores e todos os pássaros residentes. O que levou à incapacidade de regeneração ambiental. Sem madeira para erguer as hoje tão apreciadas estátuas, ficou-se também sem madeira para construir barcos e em consequência os recursos alimentares caíram brutalmente. A fome trouxe conflito e canibalismo.

A Europa parece decidida a empreender um processo semelhante ao da Ilha da Páscoa. Em nome de uma crença, que venera o domínio absoluto e totalitário da ordem financeira, vão-se consumindo recursos, naturais e humanos, até à sua extinção. Os governos mais fracos, donde o de Portugal e de outros países infelizes, vendem todo o património ao desbarato, atacam a sua própria população, numa submissão de tipo religioso ao dogma e seus feiticeiros. Não escapam idosos, crianças, famílias inteiras. O Estado, sedento de dinheiro para entregar aos credores, assalta literalmente os contribuintes. Numa sociedade civilizada e lúcida estaríamos perante verdadeiros casos de polícia.

A consequência de tudo isto é evidente. Estamos a seguir o caminho da Ilha da Páscoa. O que no contexto global vigente significa o declínio da Europa no mundo, já visível, e a sua colonização pelo outro mundo, o que não deixa de ser irónico. Veja-se como a relação Portugal/Angola se inverteu e são agora os angolanos que nos colonizam economicamente. Ou os chineses. Ou todos os que tenham dinheiro em caixa para virem aos saldos.

Os alarmes sociais tocam com estridência. Passar de pobre a menos pobre, pode ser enganador mas dá esperança. Passar do relativo bem-estar para uma miséria aberta ou envergonhada é desesperante e perigoso. O povo pode andar anestesiado com o futebol, as vidas fúteis dos famosos e a alienação de toda a espécie de crendice, mas, como diz o aforismo nunca se deve encurralar uma fera. E o povo pode mesmo ser feroz. Basta olhar para a história. Em França, numa dada época, cortaram a cabeça do rei, que não era um simples mortal mas um outro deus na Terra.

O conflito nacionalista, a guerra, os tumultos, voltam pois a ameaçar a Europa. Tanto mais que faltam alternativas. Não existe quem realmente faça frente à loucura dos poderes fracos, venais e sobretudo irresponsáveis. A política soçobrou. Os intelectuais aderiram à meditação zen, ou seja, assumiram o objectivo de esvaziar o respectivo cérebro.

Os sintomas da Páscoa estão aí. Nas decisões obtusas do conselho de ministros. Mas também nas pequenas coisas. Por estes dias o país enche-se de jovens palhaços, vestidos de batinas pretas e outros trajes ridículos, exercendo o pequeno poder fascista nas chamadas praxes e, à maneira da avestruz, metendo literalmente a cabeça na areia. Imaginam que alguém os irá salvar de um destino atroz. O maior. Não ter vida decente pela frente. Mas não vai. O desemprego jovem já roça os 50% e vai aumentar. Os bancos têm prejuízos porque não emprestam dinheiro. Para além de antieconómico é estúpido pois essa é a razão primeira da existência de bancos."

Leonel Moura, Artista Plástico, 17 Maio 2013



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