19 de julho de 2011

BANCARROTA OU DEMOCRACIA

NÃO É POSSÍVEL QUE AS POLÍTICAS IMPOSTAS À GRÉCIA, À IRLANDA E A PORTUGAL REDUZAM O PESO DAS SUAS DÍVIDAS.

   Não será surpresa, para os participantes numa conferência a que assisti recentemente, que o pacote de resgate para a Grécia, aprovado há um ano, não tenha solucionado os problemas da dívida do país. Organizado pela sociedade civil grega, aquele evento lançou um apelo a que a Grécia, e agora a Irlanda, abram uma discussão pública sobre a dívida e sobre a verdadeira equidade e legitimidade desta. Activistas do Brasil, Peru, Filipinas, Marrocos e Argentina disseram aos activistas gregos para se manterem firmes e não embarcarem numa devastadora recessão de 30 anos, por imposição de instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional. O crescente movimento europeu de oposição aos pagamentos da dívida e à austeridade está a estabelecer ligações concretas com grupos do SUL, a nível mundial, e denota uma confiança e uma racionalidade que estão a quilómetros de distância das demonstradas pelos governos da Grécia e da Irlanda, que, para poderem pagar aos banqueiros irresponsáveis, adoptaram políticas que estão a castigar a população em geral.
    Não é possível que as políticas impostas à Grécia, à Irlanda e a Portugal reduzam o peso da dívida desses países: vai acontecer exactamente o oposto, como ficou demonstrado na Zâmbia, nos anos 1980, e na Argentina, no início da última década. Na Zâmbia, políticas semelhantes levaram a um aumento para o dobro do rácio entre a divida e o PIB, porque a economia regrediu. Em 2001, a Argentina entrou em incumprimento das dívidas, apôs três anos de recessão provocada pelas políticas do FMI. Tal como acontece com a Irlanda, foi dito à Argentina que tinha andado a brincar, embora a dívida tivesse disparado em consequência de um conjunto desastroso de privatizações e de uma paridade cambial imposta pelo FMI. Um mês depois da entrada em incumprimento, a economia começou a recuperar.
Porque se continua a aplicar aquelas políticas? Sabia-se que os pacotes de “resgate” não iriam tornar sustentáveis as dívidas da Grécia e da Irlanda. Os delegados à conferência de Atenas foram claros: o que importa é recuperar o máximo possível de dinheiro dos investidores, independentemente de esses investidores serem ou não responsáveis pela crise, e transferir a responsabilidade para a sociedade.
    Ainda que Grécia e Irlanda necessitem de um reforço ou de uma reestruturação do pacote de resgate, através de algum tipo de obrigações as mesmas medidas que foram impostas na América Latina na década de oitenta do século passado e que criaram níveis de divida de tal forma elevados de que ainda hoje estão a sofrer as consequências —, os investidores privados serão ressarcidos. A discussão acerca de quem vai arcar com a maior parte da conta trava-se agora entre as populações alemã e grega, criando um nacionalismo perigoso que já é evidente.
O comissário europeu para os Assuntos Económicos, Olli Rehn, tem dito aos governos que estes assuntos devem ser tratados com discrição o debate público é desencorajado. Aqueles que, na prática, estão a pagar o preço da austeridade discordam, e os activistas da Grécia e da Irlanda afirmam que o primeiro passo para uma solução justa deve ser uma auditoria à dívida, tendo por modelo as que foram efectuadas em países em desenvolvimento como o Equador. A auditoria daria aos europeus a informação necessária para fundamentar decisões verdadeiramente democráticas. Como disse a deputada grega Sofia Sakorafa, que se recusou a assinar o acordo sobre o resgate e abandonou o partido governamental PASOK, “a resposta à tirania, à opressão, à violência e à crueldade é o conhecimento”. Andy Storey, do grupo irlandês Afri, disse que uma auditoria visa “desmascarar o sistema financeiro, que controla a economia”. Os activistas acreditam que uma auditoria à dívida pode ser o início de uma nova forma de pensar a economia. Como diz Sofia Sakorafa, uma auditoria é o início da recuperação de valores e de uma visão que mostre que, “para além dos jogos de mercado especulativos, há conceitos mais valiosos há pessoas, história, cultura e há decência”.
Esse rejuvenescimento da visão política é crucial para que a crise não venha a causar empobrecimento e a acicatar a hostilidade entre europeus. Recentemente, o economista irlandês Morgan KelIy afirmou que o seu país estava a caminho da bancarrota. Na Grécia, está-se a perder mil empregos por dia e a taxa de suicídios duplicou. O pacote de “resgate” para Portugal, de 78 mil milhões de euros, terá um impacto semelhante. Em todos estes países há uma intensa corrente de emigrantes, que partem em busca de melhores oportunidades. Nenhuma indemnização poderá reparar os estragos que estas políticas vão causar na sociedade. Terá de haver um movimento para compensar a falta de visão dos nossos dirigentes. Sentimos que esse movimento poderá ter nascido em Atenas. 

     Nick Dearden – Director da Jubilee Debt Campaign, que exige que os países ricos perdoem as dívidas dos países pobres.  
Em: COURRIERinternacional  Julho 2011

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