15 de maio de 2014

O sistema partidário português (1)

                  1.      Um sistema hierarquizado e não democrático 

       Tentam convencer a plebe que são os partidos que sintetizam as diversas ideias políticas e que mediatizam toda a acção política, admitindo, contudo, que existam “independentes”, próximos de uns ou de outros, que se utilizam quando se pretende ostentar pontes com a sociedade.

      A sociedade, por seu turno é, pelos partidos, reconhecida como uma massa de ignorantes, tendencialmente expectante, que mais não tem que a sensibilidade animal de sentir na carne os efeitos da acção política. E à qual é concedida, benevolamente, de quatro em quatro anos o direito de manifestar através do voto, o produto do cruzamento da sua consciência difusa do que se passou no passado recente, com a propaganda e o enviezamento habitual dos media; sem contar com essas preciosidades, os entediantes tempos oficiais de antena.

     Há, de facto, uma separação entre os partidos e a multidão, real e reproduzida constantemente pela acção política tradicional e pela cultura emanada pelas classes dominantes. Essa reprodução pretende gerar a ideia da necessidade da existência de um escol de ungidos, sacrificados intérpretes dos sentimentos e necessidades do povo, esforçados perscrutadores da melhor forma de gerir e conciliar o económico, com o social, o cultural, etc. E, como essa síntese é, de facto, complicada, torna-se, logicamente, inacessível aos cérebros limitados dos trabalhadores, pelo que não cabe à plebe mais do que trabalhar, dedicar-se às suas respectivas vidinhas e delegar a acção política aos ungidos, inteligentes e cultos, os únicos capazes de gerir a coisa comum, quais sacerdotes especializados na intermediação entre um Bem Comum abstracto (e pouco comum) e cada um de nós, ignaros cidadãos.

     Modestamente, os ungidos sentem, por vezes a necessidade de consultar especialistas numa ou outra matéria, entendidos como técnicos competentes mas, eunucos políticos.

     Essa separação é, em suma, a expressão da estratificação social, baseada no domínio dos meios de produção por uns poucos, e da ausência desse domínio por parte da maioria da população. Essa visão é assumida totalmente pela classe política em geral, pelos detentores do poder político, como pelos seus “challengers”, na oposição. Resulta portanto, daqui, uma sociedade profundamente hierarquizada, nos campos político e económico, de facto não-democrática, como a teorizada, por exemplo, por Hobbes, no seu Leviathan.
    
        Porém, num processo gradual, vem-se afirmando no seio da multidão uma firme convicção, se não da inutilidade da classe política, pelo menos da sua incapacidade, do seu desinteresse pela gestão do bem comum, da sua imensa venalidade. E, essa convicção é acompanhada por um desejo transbordante de democracia, de exigência de qualidade, de transparência, de assunção da gestão dos assuntos comuns. Em concomitância, acentua-se a desconfiança e desprezo face aos titulares do poder, o desrespeito face aos sacerdotes da política.

      O capitalismo, naturalmente, apercebe-se dessa situação e trata de converter os líderes, os governantes, em produtos de moda, como sapatos, facilmente substituídos por produtos sucedâneos, na estação seguinte. Neste contexto, cada peça política é um bem de consumo não duradouro, rapidamente tornado obsoleto, programado para durar um período limitado.
           A volatilidade da duração dos agentes políticos tradicionais, da sua rápida rotação não deve ser encarada tanto como uma demonstração de verdadeira democracia mas, como uma necessidade da continuidade da democracia de mercado.  Como se costuma dizer, é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma ou, de modo mais popular, mudam as moscas...
 
     Na nossa experiência recente, veja-se como os elementos com maior protagonismo, aparecem e desaparecem em poucos anos, refugiando-se em confortáveis e precoces reformas ou cargos de boa paga, fornecidos pelo agradecido patronato. Alguns, poucos, conseguem reciclar-se, em novas funções, casos de Soares, Sampaio, Cavaco.

(continua)
 

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...