2. Os partidos políticos portugueses
Em Portugal, dada a pequenez e a relativa
homogeneidade do país, tendo presente as características culturais da
população, é estreita a oferta de partidos políticos, até porque a
tradição histórica e as características da sociabilidade de hoje, não
incitam à organização colectiva para a resolução dos problemas. Faltando
reais diferenciações de ordem étnica, religiosa ou regional, subjaz um
racismo larvar contra ciganos, africanos e imigrantes, a mancha
totalitária, no mercado das ideologias desviantes, da sucursal vaticana
em Portugal, a rivalidade estéril ou mesmo animalesca e fascista das
claques do futebol.
Assim, tomando como referência os partidos
representados no Parlatório de São Bento, adiantam-se algumas das suas
características, da direita para a esquerda.
O CDS, ex-PP ou CDS/PP, conforme
a fracção dominante no seu interior representa a chamada direita dos
negócios, anti-popular, elitista, católica ou mesmo fascista, pouco
entusiasmada com a U E… excepto no que se refere à utilização dos fundos
comunitários. Pretende representar os senhores de sempre, os “valores”
(pátria, família, …), as hierarquias (forças armadas, patrões, …) e,
nesse contexto, protagoniza uma força de antecipação, de vanguarda da
burguesia autóctone, tentando influenciar a agenda dos partidos
vocacionalmente mais presentes no aparelho de Estado. Assim, a sua
influência real é superior à expressão eleitoral.
Como expressão do reaccionarismo institucional mais
vincado clama contra a chamada bagunça dos novos tempos,
apresentando-se como disciplinador emérito, na imposição dos “bons
costumes” através de leis duras e actividades policiais musculadas.
Feroz arcanjo da iniciativa privada, evoca poder e
benesses para empresas e empresários, pois os trabalhadores só
excepcionalmente deixam de ser madraços e mais não merecem que políticas
sociais vistas num plano de comiseração e de caridade. No capítulo da
corrupção, tende mais a enquadrar corruptores que corrompidos pois só
parcelar e episodicamente é detentor de poder no aparelho de Estado.
Como é evidente, a utilização da palavra Centro no nome do partido é uma
reminiscência dos anos setenta em que ninguém se assumia como de
direita.
A difusa amálgama PS/PSD, o Bloco Central dos analistas políticos e que Esquerda Desalinhada vem designando como Torres Gémeas, é o entulho que constitui o poder há mais de 37 anos, o espelho da total inépcia das camadas possidentes e dos possidónios lusitanos.
Engloba duas estruturas mafiosas que se entrelaçam,
que se congraçam e que concorrem, precisamente porque em pouco diferem
dos pontos de vista ideológicos ou de prática política. Uma é o PS,
membro da família europeia dos partidos trabalhistas, socialistas,
sociais-democratas e ex-comunistas, numa fotografia onde posam o
famigerado Blair, os assassinos trabalhistas israelitas, os graves
nórdicos e os ladrões das antigas “nomenklaturas” do Leste. A outra
Torre Gémea, o PSD (PPD/PSD numa designação cara ao tonto Santana) é uma
agremiação de direita, populista e defensora do projecto europeu, onde
se acasala com congéneres tão recomendáveis como o corrupto Chirac, o
Sarko(na)zy, a Forza Itália do afamado Berlusconi e lixo não reciclável
similar. A NATO é um marco de referência para ambos os partidos embora o
PS sorria mais para o partido democrata americano e o PSD prefira os
republicanos, com tudo o que isso possa representar no capítulo das
semelhanças (muitas) e de diferenças (poucas) entre ambos.
A origem de cada uma das alas é diverso mas, ambos
só ganharam existência real com o 25 de Abril. O PSD, como emanação de
sectores liberais, quadros de empresa e da administração pública
procedentes do bolor post-salazarista. O PS, baseado numa
“intelligentsia” socializante, oposicionista e anti-comunista, dirigiu a
aliança conservadora para a liquidação dos movimentos de massas de
1974/75 e apresentou-se como o elemento federador da normalização
capitalista.
Ambas as Torres (cada uma de per si ou aliadas)
aspiram ao papel de PRI mexicano no que se refere à ocupação e
hipertrofia da burocracia estatal, fazendo valer a sua importância, a
sua autonomia, face a um empresariato luso sem grande valia no contexto
da economia global, e na defensiva no seio da competição com o capital
internacional, mormente com origem espanhola. Para essa ocupação ter
algum papel positivo na acumulação capitalista nacional, à semelhança
dos Partidos-Estado japonês ou sul-coreano, décadas atrás, falta-lhes
quase tudo: competência técnica e política, enquadramento geopolítico e
actualidade histórica. Porém, são ricos na arrogância e espírito
cleptocrático, na exacta medida da atonia da multidão que os tolera.
Um dos cenários onde a asfixia do papel do PS/PSD é
mais notório situa-se no poder autárquico, peça importante da
articulação entre os negócios imobiliários e o financiamento dos dois
partidos, com tudo o que daí resulta de desordenamento territorial,
especulação, compadrio, nepotismo, má qualidade das infraestruturas e
ausência de preocupação ambiental, de gestão racional, transparente,
etc...
Como força política de implantação nacional, o
execrável binómio pretende centrar a sua relevância como elemento
imprescindível na articulação entre os meios dos negócios e o aparelho
do Estado, no capítulo da gestão dos fundos comunitários e do
orçamento. Defende o reforço do sector privado nas áreas vocacionalmente
públicas (saúde, educação) não tanto em termos de privatização formal
mas, de articulação ou simbiose, de contratualização de serviços e
fornecimentos, sempre a expensas do OE, para além de um incisivo
municiamento das empresas com empreitadas públicas de enorme volume.
Devido à permanência duradoura no poder, o PS/PSD constitui-se numa rede
clientelar muito densa presente em todas as áreas da vida do país e da
multidão, simbolizando por esse motivo e vocação, a verdadeira cara da
corrupção.
Utiliza o deficit público como forma para proceder a
uma vasta operação de redistribuição dos rendimentos; favorece o
domínio do parasitismo financeiro; e gera regras danosas nos capítulos
do emprego, da segurança social, do despedimento, da função pública,
alienando totalmente qualquer resquício de política social ou do
espírito inter-classista típico da social-democracia.
Qualquer das Torres, uma vez fora do governo,
brande as insuficiências da governação do outro mas, ambos sempre na
linha da espiral dos sacrifícios para a multidão, através da aplicação
dura e crua da agenda neoliberal, com uma encenação de oposição.
Entre os seus chefes, mesmo quando mais
carismáticos, Soares nunca passou de um angariador de fundos no exterior
em épocas de crise e Cavaco um vulgar mau gestor desses fundos, em
tempos de vacas gordas. Os restantes, tipificam-se como frouxos ou
toscos (Durão, Nogueira, Ferro, Constâncio, Mendes), verbosos inábeis
(Marcelo, Sampaio, Guterres) e caricaturais (Santana); todos, contudo,
voláteis, produtos obsoletos em curto prazo, com duração inferior a um
par de sapatos.
Com mais de 80 anos, o PCP é uma formação reformista, ancorada numa direcção coesa e monolítica, sem projecto revolucionário desde meados do século XX e, hoje, órfão da capacidade de Cunhal para as manobras tácticas mas não do seu autismo estratégico.
O poder autárquico que detém apresenta algumas
virtualidades com reflexos positivos na vida das populações mas, não
evita o desordenamento territorial, a especulação imobiliária ou a
invasão automóvel. O domínio das estruturas sindicais é um fim e não um
meio mostrando-se o PCP, desde os anos 70 avesso ao fortalecimento das
comissões de trabalhadores, preferindo o controlo das direcções
sindicais, em regra rotinizadas num ritual sazonal de conversas no
Conselho de Concertação Social, baixo-assinados e manifestações
meramente sectoriais, com enormes intervalos.
Essa tendência para o domínio das cúpulas das
instituições aliena-lhe a audiência junto da juventude e da
intelectualidade. Razões sociológicas e de história recente reduzem a
sua implantação, grosso modo, ao Alentejo e em torno do eixo
Lisboa-Setúbal.
A sua pouca abertura ideológica para novas
temáticas – toxicodependência, homossexualidade, racismo – constituem
bandeiras fortes do Bloco de Esquerda. Porém, tal como sucede com o BE,
não manifesta qualquer iniciativa no campo ambiental, que em Portugal se
polariza em associações conservacionistas ou tecnocráticas.
Nunca se recompôs do desmantelamento da URSS,
aproximando-se posteriormente do capitalismo chinês. Mostra-se, em
regra, sempre pronto a apoiar uma Torre Gémea contra a outra, tardando
em assumir o seu projecto reformista, como sucedeu aos congéneres
europeus. Em contrapartida, é particularmente reactivo à influência
crescente do BE que lhe disputa a hegemonia dentro de um mesmo projecto
social-democrata sem espaço, nem tempo, na Europa ou em Portugal, por
razões evidentes.
O Bloco de Esquerda surgiu há menos de dezassete anos quando se tornou evidente que a UDP ou o PSR isoladamente, só excepcionalmente teriam expressão parlamentar. Surgiu como expressão da procura de novas práticas políticas, assumindo mais a heterogeneidade da multidão do que a hegemonia de uma camada social; mais a federação das diferenças individuais do que os factores de homogeneidade entre os membros da multidão. Porém, nunca conseguiu extirpar a rivalidade entre UDP, PSR e Política XXI no controlo do aparelho.
Os sucessos eleitorais resultam de vários factores tais como o imobilismo do PCP, a aceleração do desvirtuamento social-democrata do PS, em tempo de recessão económica e ofensiva capitalista, o aproveitamento de temas marginais no contexto conservador da sociedade portuguesa, a capacidade intelectual de alguns dos seus membros de topo. A votação de Louçã nas presidenciais e os resultados das autárquicas mostram, claramente, que essas fontes de sucesso poderão ter-se esgotado.
Esses sucessos, contudo, têm contribuído para o
afunilar da actividade na luta parlamentar, lançando a ilusão de que a
“democracia de mercado” é democrática, que o regime político actual é
susceptível de libertar a multidão da canga capitalista, mormente nesta
sua fase de concentração financeira.
Quando se não acentuam as contradições, se não
aponta claramente para o cerne dos problemas que afectam a multidão
abre-se o campo para a aceitação de vias reformistas, de tolerância para
com o capital e os seus representantes e perpetua-se o domínio destes.
De outro modo, não alimentando o radicalismo na análise política, nem
incentivando a iniciativa dos elementos mais activos junto da sociedade,
não colocando a acção ao nível da rua, no desafio inteligente da
autoridade do capital, na desobediência programada, torna-se a massa
eleitoral apoiante num elemento de elevada volatilidade.
(continua)
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