15 de maio de 2014

O sistema partidário português (Conclusão)

                                       3.      A linha estratégica à esquerda 


É ténue a diferença, nos dias de hoje, entre um regime de partido único com as suas inevitáveis sensibilidades ou grupos internos e um regime formalmente bipartidário, rotativista, com partidos que só diferem na cosmética com que maquilham as ideias que partilham. Em ambos os casos, é variável a real liberdade de expressão ou a tolerância e marginalização das opiniões que não se insiram nesse leque mole de lugares-comuns, de pensamento único.
Temos vindo a insistir (ver “A democracia de mercado e a actuação da esquerda”) na necessidade de uma linha estratégica e de uma prática política diversas das que vem sendo seguidas pela esquerda institucional. E temos também acentuado o carácter genocida do capitalismo de hoje, absolutamente resoluto na criação de dificuldades à multidão susceptíveis de reduzir a sua própria esperança de vida. Isso aconteceu na Rússia quando ao capitalismo cleptocrático de Estado se sucedeu o capitalismo liberal não menos cleptocrático que o anterior regime. E, não há projecto reformista com músculo suficiente para resistir ao vórtice protagonizado pelo capital financeiro e as suas práticas de escravização da multidão.
A linha estratégica que propomos não pode distinguir entre os que querem pôr em marcha o projecto genocida do capital e aqueles (à esquerda) que actuam sem relevar essa nova característica imposta pelo capital financeiro globalizado, fazendo crer que o actual estado de guerra infinita depende do perfil de quem estiver na Casa Branca, ou que o modelo social-democrata europeu ainda pode renascer das suas próprias e já frias cinzas.
Há pois, que aprofundar e renovar os parâmetros de uma estratégia para a esquerda e adoptar fórmulas práticas mais eficazes de combate contra o capital. Propomos aqui, alguns elementos para essa estratégia:

  1. Avaliar a inconsequência de um pacifismo que propõe, qual  dogma, a não utilização de meios violentos na luta contra o capital e, ao mesmo tempo recusa propor a extinção das forças armadas, expoente máximo da violência por parte do Estado capitalista. Se este está armado (tropa, polícias, tribunais, poder legislativo) e detém o monopólio da violência é para exercer esse poder sobre a multidão, o que não é nada de novo, aliás. E se se aceita esse monopólio é porque o mesmo dá segurança aos seus defensores que, portanto não se sentem parte da multidão dos explorados e agredidos.
  1. Avaliar o papel do Estado como elemento de insusceptível regeneração em prol da multidão frisando a sua perene função de domínio e repressão dessa multidão, pretendendo-se acima desta. Salvo momentos escassos e pouco duradouros, a multidão não detém reais meios de representação e de controlo do aparelho de Estado.
Com o capitalismo, o Estado assumiu uma dimensão e um poder enorme, sob a forma nacional, federal ou ainda sob a forma de instituições internacionais de emanação e aplicação das leis do capital. Essa dimensão e essa extensão, conduzem a que a sua actuação se torne ainda mais distanciada e alheada da vida da multidão.
Qualquer focagem nas lutas partidárias ou de grupos de capitalistas pelo domínio ou influência sobre o poder coercivo da lei, do monopólio da violência ou ainda da manipulação do dinheiro dos impostos, não pode fazer esquecer que o Estado, representante do colectivo dos capitalistas, reflecte as disputas internas entre capitalistas e é,simultaneamente, objecto de uma crítica sistémica por parte dos capitalistas individualmente considerados.
Há, pois que discutir, como se deverá organizar uma sociedade futura para que a multidão não aliene o controlo das decisões colectivas em grupos sociais ou elites auto-ungidas como vocacionadas para a gestão global, detentores do poder sobre aparelhos monstruosos, instrumentos de repressão e desenvolvimento das capacidades produtivas da multidão.
  1. Alterar a tendência para a polarização da actividade política em torno das disputas partidárias no seio dos parlamentos, sem discutir a sua falta de representatividade ou a forma abusiva como os chamados eleitos usam as suas prerrogativas de representantes com um poder absoluto. Dessa tendência resulta um afunilamento, uma condução das lutas sociais para o âmbito institucional descurando o papel formativo, gerador de auto-confiança da organização autónoma e das lutas sociais fora do quadro institucional. O poder deve estar na rua e não nos salões alcatifados pisados pelos grilos falantes.
  1. Combater a desinformação constante, em regra por omissão, do papel do capitalismo como sistema opressor e destruidor de vidas e do próprio planeta. Assim, é preciso evitar o apontar dos males do sistema com origem em elementos específicos, voláteis e robotizados, simbólicos como Bush ou Sócrates, como que admitindo quais alternativas populares, a madame Clinton ou a ridícula figurinha do chefe do PSD.
  1. Combater o exacerbado eurocentrismo que descamba para o chauvinismo ou mesmo racismo, quando se aceita como facto consumado a existência de Israel; e se despreza ou desvaloriza a luta desencadeada por povos não europeus, com outras culturas, que não se balizam pelos critérios ditos democráticos do ocidente mas que de facto, causam mais problemas à gestão global do capital, do que as esquerdas europeias, defensoras envergonhadas de uma social-democracia fora do tempo.
Não se defende, obviamente, a aceitação acrítica da actuação ou dos propósitos manifestados na luta de outros povos, seja no Iraque ou no Líbano, na Venezuela ou na Bolívia, no Nepal ou na Somália. É preciso, pelo contrário, assumir a atitude modesta de enriquecimento do conhecimento, de aprender com o Outro.


PS – Sublinhamos e saudamos a atitude da população de Valença, Chaves, Vendas Novas quando o governo socratóide decidiu retirar-lhes um serviço médico essencial. A rapidez na resposta e o atabalhoamento demonstrado pela metástase Correia de Campos evidencia o receio de que o exemplo possa frutificar. E demonstra a nossa razão quando propomos a desobediência, as medidas de massa contra o poder.

 Origem:  Esquerda Desalinhada

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